Era um dia daqueles, não aguentava o mais do mesmo! Sem ter absolutamente nada para fazer, uma pedrinha que eu pudesse chutar, um pião para rodar, qualquer coisa que aliviasse esse tédio. Pensei em ficar sentado e ver o trem passar, na esperança de sair daquele martírio sem fim. Mas isso não funcionou.
Resolvi voltar para minha casa e o fiz trajeto de volta chupando uma laranja que havia encontrado em uma fazenda dos arredores.
Virando a rua é que deparo com uma das maiores alegrias que pude sentir em toda a minha vida. Uma Land Rover! Em Matão? Aquela laranja deveria estar passada, só pode.
Um carro gigantesco passou do meu lado com muitos gritos vindos dele e com um objeto de alumínio voando pela sua carroceria. Eu não estava entendo nada, muito menos do objeto que fora lançado. Era uma espécie de lata de alumínio, mas, enfim. Nunca tinha visto aquilo e persegui com os meus próprios pés aquela Land Rover. Mal sabia quem estava lá, mas de Matão não eram, isso eu já tinha certeza.
Corri por um quarteirão e avistei a máquina entrando pela porteira da fazenda do Seu Walther. Deveria ser algum daqueles amigos esquisitos e bacanões. Entretanto algo ainda me intrigava.
Depois que adentraram aquela imensa fazenda, olhando pelos arbustos, vi dois caras cabeludos, pareciam até uns alienígenas da forma que estavam vestidos, todos coloridos, pareciam que ia desfilar em um carro alegórico. Ah, e logo depois saem duas mulheres, uma loira e uma morena, mas que eram muito brancas paro o sol da região. Pareciam que estavam mortas.
De repente um deles vira o rosto, e logo saquei quem eram! Não podia acreditar no que estava vendo, era algo inimaginável. Por que esta fazenda? Por que aqui? Por que MATÃO!? DEUS! Eram os caras dos Rolling Stones! Sabia que os conhecia de algum lugar, aqueles discos do meu pai, aquele som que ouvia desde pequeno. Mas, AQUI!? Esses caras só podem estar malucos. Eu morrendo de tédio e os caras saem da Inglaterra pra não fazer nada aqui? Só podem estar fugindo de alguém.
Saí correndo pra avisar a boa nova para os meus amigos e, claro, ao meu pai, que ouvia direto a música deles. Velho matuto, do interior, mas que curtia uma boa música estrangeira. “Muito moderninho pro meu gosto”, dizia minha vó.
Falaram que eu estava maluco. Não os julgo, quem acreditaria? Mais fácil acreditar na chegada de alienígenas. Meu pai quase me bateu por tamanha “mentira” que havia lhe contado. Mas não deixei barato e gritei bem alto:
– OS QUE DUVIDAM DE MIM, ME SIGAM!
E lá fui eu fazendo aquele caminho pela terceira vez no dia, mas com a companhia dos desconfiados. E para não ter dúvidas, aquela máquina estava parada em frente à fazenda e eles foram ficando cada vez mais surpresos e a desconfiança foi ficando pra trás.
Começamos um a um o revezamento na moita. Ninguém acreditava no que estava vendo. Os Stones correndo totalmente pelados em volta da piscina e as duas garotas dentro dela tomando algo naquela lata e todos bem a vontades (muito mais do que eu pensava).
Todos ficaram em êxtase. Queriam falar com eles. Mas ninguém ali sabia inglês! Mesmo assim todos queriam se comunicar de alguma forma com os Stones em meio àquele mato. Meu pai perdeu até o ar. Queríamos entrar de qualquer maneira, mas percebemos que havia cães de guarda naquele local, e eram enormes. Acho que uma mordida daquele bicho me mataria e o pessoal me deixaria pra trás só por eu ser o caçula da turma.
Algo tinha que ser feito, era uma oportunidade única. E naquele finzinho da tarde, tivemos a ideia de acampar no terreno em frente à fazenda do Seu Walther. E assim ficamos revezando o posto para ver se algum deles poderia sair e quem sabe falar com a gente.
Já era quase de madrugada e era a minha vez de ficar de olho na porteira da fazenda. Queria muito que eles aparecessem quando eu estivesse lá. Queria ter esta honra de dar a mão pra eles. Meu pai e amigos caíram no sono de tamanho cansaço. Mas parecia que os Stones estavam bem acordados e, mais do que isso, estavam fazendo uma festa junina dentro da fazenda! Dava para ver muitas luzes vindas da piscina, uma das poucas coisas que dava pra ver do lado de fora. Estavam tocando uma viola caipira diferente, um som novo. Nunca tinha ouvido aquilo. Uma música nova deles talvez, não sei ao certo. Sei que fiquei entusiasmado e mais esperançoso do que nunca para que eles pudessem sair para fazer alguma coisa.
A música e o barulho eram eternos e o sono me pegou de jeito. Dormi bem na minha vez de olhar a porteira. E qual foi o resultado? Acordei e já era de manhã. Levantei muito assustado e o barulho não estava mais lá. De repente escuto um ronco de motor, bem alto. Era aquela máquina, a tal da Land Rover!
No momento que acelerou, todos acordaram perguntando o que estava acontecendo. Nem prestei atenção nos xingamentos e sim nas duas figuras que estavam atrás do banco, já com as malas prontas e a indo embora junto com a oportunidade de conhecê-los.
Não sabia se chorava, se eles iam voltar. Meus amigos saíram felizes por apenas terem visto eles. Mas eu queria mais. Eu que os vi chegando!
Talvez não tivessem ido para tão longe. Se vieram para Matão poderiam ir até a vizinha Araraquara, tomar um sorvete ou fazer a festa em algum terreiro que existia por lá. Ou até para alguma outra fazenda e talvez seja a vez de um outro cara como eu, ter a sorte de encontrar uma Land Rover com aquelas latas saltitantes pela janela e ter o prazer de encontrar os seus grandes ídolos.
Queria eu ter composto aquela música com eles naquela festa estranha com gente esquisita. Uma festa junina inglesa, onde já se viu?
Pois é, os Rolling Stones já visitaram a sua cidade? A minha já! Obrigado, Matão.
Esse texto é baseado em fatos verídicos. Você encontra mais sobre esta história no vídeo a seguir: