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Pegadas de um padre “vermelho”

Na antiga Xiririca. que significa águas correntes e na atual cidade de Eldorado, alusão ao período de exploração do ouro, mora um senhor imigrante da França simpático, com semblante suave, um pequeno e singelo sorriso. Padre Miguel, como é chamado pela comunidade, desde menino, aos seus cinco anos já sentia o chamado vocacional. Observando a fé de sua mãe também começou ele a peregrinação, aos 11 anos.

Sua primeira missão foi no Japão, passou um bom tempo neste país. Tempos mais tarde, surgiu a oportunidade de voluntariado para trabalhar no Brasil, com os imigrantes japoneses que também por aqui chegavam. A missão não era tão simples, pois ele não gostaria de aprender mais uma língua: o português, mas pensou bem e aceitou. Chegando ao Brasil, se deparou com os descendentes de japoneses que quase não falam a língua materna e, aos seus 38 anos, iniciou o curso para aprender a língua portuguesa.

Evangelizava, ensinava os fiéis e os convidava para se converter ao cristianismo e serem batizados. Ficou de três a quatro anos em uma paróquia próxima a São Paulo. Um dia, durante um encontro de jovens, um deles desabafou com o Padre Miguel – “agora a gente entende o que o senhor fala”. E o padre também complementa – “Uma das maiores dificuldades de quando se chega a um novo País, é o idioma”.

Padre Miguel cumpria sua missão de cidade em cidade. Onde ordenavam, ali ele estava. Mas sentia um desejo de encontrar um lugar onde “aterrizar”. Foi conversar com o seu colega, o bispo Dom David da diocese de Santos, pois precisava de sua autorização para estabelecer domicilio em algum lugar. O bispo estava desconfiado, “esse padre veio da França, foi para o Japão…”, assim o bispo achava que o padre não aguentava ficar em um só lugar, mas ele demonstrou que era caseiro e queria uma região para chamar de sua.

Aceitou ficar no Vale do Ribeira. Logo no começo, com a ajuda dos japoneses, começou a visitar vários municípios, nos quais fazia encontro com os japoneses e seus descendentes. Padre Miguel deixava claro que as pessoas tinham que ter liberdade de escolha. Os japoneses não tinham nenhuma formação cristã. Havia poucos evangélicos e a religião dos brasileiros era mesclada entre cristã, budista, shentoísta, entre outras. Para casar na igreja tinha que ser batizado, e se um dos dois não era cristão, tinha que se batizar de qualquer jeito, caso contrário, não casavam.

Naquele tempo, Miguel foi considerado um “padre bravo”. Até hoje, carrega esse apelido pelas ruas de Eldorado. Não imaginava a repercussão que suas ideias causariam. Houve tempos tensos, em meio a ditadura militar, que quase o levou a prisão. Foi na época em que o Capitão Lamar, fugia de cinco mil homens da policia militar e se escondia no mato. Várias pessoas foram presas, baseadas em denuncias muitas vezes equivocadas. O padre foi denunciado, por ser francês e neste dia vestia uma camisa vermelha. Militares e policiais procuravam pistas para acusá-lo, levando-o a interrupção de seu trabalho pastoral. Seu livramento logo veio, procuravam ele no lugar errado. Ele não estava próximo a Iguape e sim na cidade de Registro.

Padre Miguel tinha direito a um período de férias e sempre que podia seguia para o sul da França para visitar sua família. Em uma dessas viagens sua mãe faleceu, mas nesse mesmo período recebeu uma alegre missão, conta ele: “quando estava de férias na França, após o falecimento da minha mãe, recebi uma petição, de pegar todos os dados de uma moça brasileira que foi adotada por uma francesa e queria casar-se. Mas, ela não tinha nenhum documento. Na França a exigência é maior do que no Brasil. Haviam encaminhado várias cartas para Brasil e não recebiam respostas. Como estava voltando, fiquei responsável em pesquisar o histórico da moça, onde nasceu e onde foi batizada”.

Logo que o padre chegou, no domingo seguinte, iria celebrar uma missa em Eldorado Paulista. E conversando com um dos jovens relatou que estava procurando a certidão de batismo de uma moça e logo em seguida veio a surpresa: descobriu que um dos garotos era o primo dela, ficou feliz e maravilhado pois ela havia nascido ali na cidade.

Essas e outras histórias, Padre Miguel conta com um olhar fugidio, em função das tantas lembranças. Em junho deste ano ele vai celebrar o Jubileu de Diamante, pelos seus 60 anos de sacerdócio e em novembro completa 85 anos. O padre celebra missas até hoje, mas sem o compromisso paroquial, e diz estar sempre em muita comunhão com Deus nessa cidade cercada pela Mata Atlântica, apelidada pelo naturalista, botânico e geólogo português Manuel Pio Correa de “Amazônia Paulista”.

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Texto e foto: Angelita Borges