Cheguei a Franca com a missão de conhecer Goret, uma conhecida artista plástica da cidade. No hall da Feac – Fundação Esporte, Arte e Cultura – local onde fui recebida, algumas de suas obras estavam expostas no Salão Abril de Belas Artes, com menção honrosa. Enquanto observo as telas, Thaís, minha cicerone, revela o talento de Goret: ela pinta com a boca e os pés.
A própria artista me recebe em casa, em uma sala repleta de telas. A naturalidade e o desembaraço de Goret faz com quem eu esqueça que ela não movimenta os membros superiores – com uma postura impecável me convida a sentar e começa a contar sua história. Filha de Delfinópolis/MG, Maria Goret Chagas mudou-se para Franca em 1961, aos 10 anos. Nasceu “tetra”, como ela mesma define, sem movimentar pernas e braços. Conta que foi em uma procissão que, aos cinco anos, decidiu que gostaria de caminhar e foi prontamente atendida. “A pessoa que me acompanhava se assustou quando soltei um grito e me soltou. Levantei e dali em diante comecei a andar“. Os médicos que a acompanhavam não souberam explicar o acontecido, que foi recebido por ela como um presente.
Foi por meio do amigo José Henrique Breda que conheceu a Associação dos Pintores com a Boca e os Pés (APBP), organização que tem sede na Suíça e da qual participa há mais de 10 anos. Presente em mais de 70 países, a associação distribui os trabalhos em forma de cartões – no Brasil, participam mais de 50 artistas, são 800 no mundo. “Envio de 4 a 6 telas por mês, que ficam na Suíça por 4 anos e depois são devolvidas. É muito bacana ver o meu trabalho em vários lugares, hoje mesmo encontrei um cartão em Cingapura“. Em abril, seu trabalho está em exposição no Memorial da Inclusão, no Memorial da América Latina, em São Paulo. São 28 telas com descrição em áudio e legendas em braille. Também no Memorial , Goret realizou uma oficina com a Casa Hope, que atende crianças com câncer. Ela ainda ministra palestras motivacionais e tem 3 livros publicados, um deles infantil com versão em braille.
Goret sorri quando pergunto sobre dificuldades profissionais – “As pessoas não acreditam quando digo isso mas não foi difícil. Muitas portas se abriram, não posso reclamar“. Antes do trabalho desenvolvido junto à APBP, Goret lecionou por 28 anos literatura no curso de Letras da Universidade de Franca e Artes Visuais no curso de Educação Artística. Sobre seu histórico escolar, diz que a única diferença foi utilizar o lápis com a boca. “Não tive dificuldades na escola, sempre fui uma ótima aluna. Sim, sofri com brincadeiras em sala de aula, mas toda criança passa por isso“.
Antes de ir embora, Goret pergunta se gostaria de vê-la pintando. No ateliê, onde tintas e pincéis dividem espaço com um pequeno cavalete, ela pinta uma aquarela rápida com a boca. Com os pés, demonstra a mesma desenvoltura. “Nossa, não consigo pintar assim nem com as mãos“, disparo sem pensar. “Nem eu“, Goret responde com bom humor.
Seguimos para o escritório e, enquanto ela mostra algumas fotos e vídeos no computador, pergunto sobre as limitações do cotidiano. “Tenho algumas, mas costumo me virar bem sozinha, tenho várias adaptações em casa, na fechadura, na torneira“.
Repenso meu conceito de limitação: quem não tem alguma?
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Texto e Foto: Aline Sagiorato de Castro