A despeito da origem da palavra, a Cavalaria de São Benedito e São Gonçalo nada tem a ver com batalhas militares. O grupo de duas mil pessoas a cavalo que tradicionalmente desfila fazendo reverência aos dois santos no domingo de páscoa é um símbolo de devoção em Guaratinguetá.
Na busca das raízes desta tradição, conversamos com Tereza Maia, fundadora e diretora do Museu Frei Galvão, que reúne um rico acervo histórico da cidade e da região do Vale do Paraíba. “A cavalaria surgiu com a construção de uma capela em homenagem a São Gonçalo. Aqui na região ele é considerado o padroeiro dos caminhantes, cavaleiros, tropeiros e homens de estrada”, contou a pesquisadora.
Mas como surgiu esta parceria entre São Gonçalo e São Benedito? Tendo sido erguida por estes homens de estrada, que por sua própria rotina de vida não tinham condições de conservar a local, a zeladoria da igrejinha foi entregue à Irmandade de São Benedito, em 1768. Assim a celebração passou a ser feita em homenagem aos dois santos.
Criada muito antes da Lei Áurea, a cavalaria carrega em sua história as marcas deste período. Quem desfilava em sua maioria eram negros escravizados, montados nos cavalos dos fazendeiros. No decorrer da celebração, aquele era o único dia do ano em que eles podiam festejar e comer tradicionais doces da festa. Com a abolição, o volume de pessoas aumentou com a participação dos fazendeiros, seus filhos, ajudantes das fazendas e outros devotos de São Benedito.
Porém, a passagem da cavalaria é apenas uma parte de um extenso ritual, que só termina na segunda-feira. A festa é anunciada na manhã de páscoa pelo toque das caixas. Como a origem da celebração é muito anterior à existência de alto falantes, era esta a forma de alertar o povo para o início das festividades.
No começo da tarde, a cavalaria passa em frente ao cemitério para saudar os companheiros falecidos, e se dirige à igreja de São Benedito do Campo do Galvão, onde é guardado o mastro da festa, que é carregado nos braços do povo e escoltado pela cavalaria.
Tem até disputa para carregar o mastro, que tem mais de 10 metros de comprimento, pelas ladeiras da cidade. Nas palavras de Teresa Maia, “Muitos fazem promessa para carregar. Quem não consegue tenta pelo menos colocar a mão ou deixar dentro do mastro um bilhetinho com o pedido para o santo”, A tradição diz que o pedido enviado pelo mastro vai diretamente para o céu. Também participam da procissão grupos de congada, moçambique, clubes de cavalo e grupos de tropeiros.
Após cruzar a cidade, o mastro finalmente chega à Igreja oficial da Festa, onde é erguido. Lá, os e os integrantes mais antigos, chamados de mantenas fazem evoluções coreografadas à cavalo. Os mantenas também tem a missão de organizar a marcha durante todo o percurso.
As primeiras mulheres passaram a integrar a cavalaria por volta da década de 70. Hoje, apesar da predominância rural, não há restrições quanto a quem participa. Crianças de colo, adultos, idosos, homens e mulheres de diferentes profissões vão demonstrar sua devoção.
A cavalaria é um sucesso total na cidade. De acordo com Alice Bittencourt, bibliotecária do Museu Frei Galvão, “por onde ela vai passar é um alvoroço. E no final, a procissão vira bate-papo entre os moradores”. Não é à toa que em 2008 a Cavalaria foi eleita uma das 7 Maravilhas de Guaratinguetá, por meio de uma votação popular. Em 2015, a Cavalaria de São Benedito e São Gonçalo completou 279 anos de existência, e pelo entusiasmo da população, não tem data para acabar.
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Texto: Mariana Krauss | Fotos: Acervo Museu Frei Galvão