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O vendedor de histórias

Na fachada, a vitrine colorida repleta de mochilas modernas, cds e artigos escolares esconde um consistente pedaço da história de Jaboticabal. Quem nos recebe atrás do balcão é Clóvis Capalbo, proprietário da Livraria Acadêmica Difusora de Cultura, que há mais de 80 anos mantém suas portas abertas no número 537 da Rua Rui Barbosa. Modesto, “seo” Clóvis resiste quando explicamos a intenção da visita. “Minha história não tem graça“. O mobiliário antigo e as estantes repletas de discos e publicações amareladas contrariam a declaração e, depois de alguma insistência, as negativas dão lugar a uma narrativa repleta de datas e detalhes.

Fundada em 1931 por Guerino Capalbo, filho de imigrantes italianos, a loja prosperou na cidade, que vivenciava uma grande efervescência cultural graças à presença de centros educacionais como a Faculdade de Farmácia e Odontologia e o Ginásio São Luiz. Por insistência de amigos, o rapaz que começou sua vida profissional vendendo jornais na rua montou seu pequeno negócio e, em 1947, conquistou com sacrifício seu próprio espaço em um terreno em frente às antigas instalações, onde até hoje a livraria funciona. Para tal feito, Clóvis explica que o pai investiu em outros negócios, como uma sociedade no Cine Paratodos, o qual manteve até 1950. Pergunto se as fotos das divas de Hollywood espalhadas pela loja são remanescentes dessa época. “Não, as fotos são uma coleção pessoal”, declara. Jane Russell, Kim Novak e Ava Gardner são suas atrizes favoritas.

Seo Clóvis interrompe a conversa para atender o rapaz que procura por um fichário. Enquanto detalha as qualidades do produto, aproveita e pergunta se o garoto estuda com seu neto e manda lembranças para a família. Para a jovem estudante que procura canetinhas, ele explica quais são as melhores para a tarefa escolar, com a rara atenção que nenhuma loja on-line pode proporcionar. A loja é uma cápsula do tempo, uma janela para uma época onde o comércio não era impessoal.

Em sua trajetória, a livraria ficou conhecida não apenas como revenda de livros e distribuidora de jornais e revistas – Clóvis enumera os diversos produtos que já foram comercializados por ali: discos, partituras e até geladeiras, rádios e as primeiras TVs. A revenda de eletrodomésticos foi interrompida com a chegada dos grandes magazines à região. Os livros aparentemente velhos no andar superior me fazem acreditar que ali também funciona um sebo, mas Clóvis balança a cabeça negativamente. “Nunca foram usados”. Peço para ver a publicação mais antiga e ele retira da prateleira um livro em francês que fez parte do primeiro estoque da loja. Apenas os discos são usados, comprados de um revendedor que passa regularmente pela loja. Precisa de agulhas? Seo Clóvis também vende por ali.

Em sua história, a livraria recebeu a presença ilustre de personalidades da literatura brasileira como José Lins do Rêgo, Guilherme de Almeida, Maria Alice Barroso, José Mauro de Vasconcelos, Menotti Del Picchia, Fernando Sabino e Cora Coralina, que por muitos anos residiu na cidade. Rememorando as disputadas noites de autógrafos na Acadêmica, Clóvis lamenta o desinteresse das novas gerações pela história e pela cultura, em especial pela leitura. O livreiro desconversa quando pergunto sua opinião sobre a internet e as redes sociais. Historiador, com 4 publicações em seu currículo, ele afirma que detesta computador e que ainda usa a máquina de escrever, que permanece na escrivaninha do escritório. Na saída a filha pisca e, rindo do exagero do pai, entrega: “Ele tem Facebook.”

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Texto e Foto: Aline Sagiorato de Castro

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