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A casa em cima dos trilhos

Lucélia é daquelas cidades típicas do interior. Tem a igreja matriz, a praça central, os senhores batendo papo à sombra das árvores… E como contam causos, esses senhores.

Conheci um deles, natural da terrinha, filho de imigrantes russos que chegaram ao interior paulista fugindo da revolução socialista. Jorge Cavlak tem 75 anos, se diz comunista e ateu, e tem uma biblioteca particular na sua casa.

Fora os livros amarelados, ele tem também um acervo de histórias na cabeça. Contou-me várias entre um cafezinho e outro. Mas a que me pareceu mais peculiar, foi a da construção de uma casa em cima do trilho do trem.

Jorge lembrou do caso que o pai não cansava de contar, com os primórdios da fundação da cidade, chegou a companhia ferroviária buscando um ponto certeiro para instalar os trilhos que em breve cortariam a região.

O fundador da cidade possuía parte de umas glebas de terra e viu naquela situação uma oportunidade de ganhar dinheiro através de uma boa indenização por parte da empresa. Os empresários, primeiramente, ofereceram uma compensação parcial, pois não iriam utilizar toda a terra. O dono não aceitou.

Então, depois, a ferroviária ofereceu a indenização parcial mais a construção da parada do trem em Lucélia, em troca da liberação de tais terras. O acordo poderia resultar em significativo crescimento para a cidade, em função da movimentação de pessoas e dinheiro que a parada de trem geraria. Mas o dono das terras bateu o pé. Não quis.

Em represália a empresa colocou a parada do trem na vizinha Adamantina, que na época mal existia e hoje tem praticamente o dobro de habitantes em relação a Lucélia.

Aí a história toda foi parar na Justiça, para decidir se a companhia precisaria pagar integralmente ou parcialmente a desapropriação. Então, o advogado do dono das terras o aconselha a construir uma casa na direção em que passariam os trilhos, apenas para impedir a empresa de avançar e ter uma vantagem na hora de negociar o acordo.

Assim sendo, num piscar de olhos, os ainda poucos moradores do local puderam ver uma casa de madeira bem onde estavam chegando os trilhos.

O pai de Jorge Cavlak se divertia sempre que contava o causo, garante ele, também aos risos: “Depois se resolveram, derrubaram a casa, o trilho passou, o dono da terra recebeu uma indenização parcial e a cidade perdeu a oportunidade de ter a parada do trem”, diz ele num misto de diversão e crítica.

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Texto e foto: Thiago Ferri

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