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Uma carta para mim mesmo

Caro Nanini,

Aqui quem fala é Silvio Nanini. Você mesmo daqui a 70 anos. Talvez você desconfie, então quero te dizer que você nasceu dia 6 de dezembro 1924 e não como indica em seu registro, 02 de janeiro do ano seguinte. Pronto, agora você sabe que eu realmente sou eu, ou seja, você.

Enquanto lê essa carta, você provavelmente estará na estação ferroviária vendo o desembarque dos passageiros. Sua vida está tranquila, sem grandes emoções, mas o melhor está por vir, e não estou exagerando nem um pouco. Os melhores anos da sua vida começam agora, e eu tenho alguns conselhos que podem ser úteis pra você.

Você ainda continuará morando em Ribeirão Pires nos próximos 70 anos, as lembranças e saudades da infância continuarão: bolinha de gude, peão e bolas de pano, que se jogava em qualquer lugar. Aliás, as ruas do bairro Santa Luzia que nós tanto brincávamos, não são mais de terra.

Você já deve ter percebido que à infância foi um tempo muito curto para aproveitar, e a fase adulta será de longos anos. Concordamos que isso não deveria ser assim, mas aceite: quando você começar a dirigir vai achar que será impossível dominar uma máquina de ferro motorizado daquele tamanho, mas com perseverança, além de aprender a dirigir vais ainda se tornar motorista. Além disso muitos desafios irão acontecer com você, coisas que dependerão de você e também de outras pessoas. Nestas outras, faça o seu melhor também, e olhe nos olhos das outras pessoas com honra e sem medo, acreditando que elas também farão o seu melhor – essa dinâmica será reconhecida como amizade. E se isto não acontecer, entenda: talvez, para ela, seja uma daquelas coisas que dependem somente dela, e para ela. Outras coisas que estão para acontecer não dependerão de você, mas mexerão com sua vida. Nestas outras ainda, ame-as e as aceite: boas ou más para você, elas te modificarão, e você poderá escolher se te mudarão para melhor ou pior. E depois que elas acontecem, e se tornam imutáveis, você ainda terá a chance de escolher como elas te afetarão. Mas sei que fará, sempre, a escolha certa! Sempre!

Entre essas escolhas, permaneça assistindo os circos que se instalam pela cidade, pois aqui no meu Ribeirão a frequência desses artistas é menor, o clima, o cheiro e aquela falsa maresia que vem das montanhas também não serão as mesmas. Também permaneça com as paqueras das jovens no cinema. Aliás, paquera é uma das palavras que não usamos mais aqui no meu Ribeirão, mas fique atento no dia 24 de junho, quando encontrar uma moça chamada de Anezia de Carvalho, case-se. É ela. Junto virá uma família, com 3 filhas, 6 netos e um bisneto. Das boas lembranças que tem da vida serão as viagens que irá fazer com a família em um caminhão todos os anos, aproveite cada segundo dessas viagens, serão momentos memoráveis. Talvez a mais sutil das artes seja a união familiar.

Mas uma mudança muito importante vai acontecer nestes anos por vir, e você sentirá muita dor. Mas não se preocupe: junto com a dor virá muito amor verdadeiro, compaixão, amizade e tudo isso servirá para transformação de um novo homem, mais cedo ou mais tarde, você vai perceber que a vida tem cura pra tudo, nunca desacredite do mundo e da vida.

Nossa, queria te contar tanta coisa… sobre família, amigos, perdas, amores, profissão, mas viva tudo o que o destino te preparou porque vai te fazer ainda mais forte. Eu não quero mudar o seu futuro, eu admiro quem você é hoje e tudo o que fez para chegar até aqui. Cuide-se, Nanini, o futuro te espera e ele é lindo!

Ass: Nanini da Silva

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Texto: Guilherme Luiz de Carvalho Souza