Em 1965, algumas emissoras de TV brasileiras, como TV Excelsior, TV Record, TV Rio e a recém-nascida Rede Globo, deram início às transmissões do Festival da Música Popular Brasileira, que revelou grandes nomes no cenário musical. Neste estrondoso evento, nascia então o estilo musical MPB, inaugurado com a antológica interpretação da canção “Arrastão”, na voz da jovem Elis Regina.
Embora os aparelhos de televisão tivessem o poder de somar ao som imagens em movimento, foi graças ao rádio que as vozes da música brasileira e mundial chegaram aos ouvidos das massas, uma vez que os televisores eram artigos de luxo e equipavam as residências de uma minoria urbana. Além de música, o rádio também noticiava acontecimentos, prestava serviços e transmitia as famosas radionovelas. E é sobre esta narrativa sonora que vamos pautar nossa história, ocorrida em Santa Fé do Sul, interior de São Paulo.
No mesmo ano em que chega à TV o Festival da Música Popular Brasileira, nasce na emissora de rádio AM Santa Fé a radionovela Luar do Sertão. O idealizador do projeto foi o já falecido Marcos Alberto, radialista famoso na região que tinha uma peculiar qualidade artística: sem nenhum recurso tecnológico, Marcos fazia até 13 vozes diferentes durantes as suas transmissões, entretendo ouvintes de todas as idades.
Toda semana tinha um novo episódio de Luar do Sertão, que era transmitido aos sábados, às 17h, com reprises aos domingos, às 13h. Os temas eram variados, porém, sempre pautados nos costumes do povo sertanejo. Os personagens rurais, com seu linguajar caipira, sempre estavam envolvidos em histórias de suspense. A classificação etária era livre, reafirmada na época pelo jargão “mamando a caducando, todos gostam de Luar do Sertão”.
O vilão, interpretado por Raymundo José da Silva, causava certo temor nas crianças com suas maldades e risada amedrontadora. Raymundo conta que as mães costumavam dizer aos filhos: “Se você não fizer isso que eu quero, vou chamar o homem mal do Luar do Sertão”. Tamanha era sua veracidade na interpretação que Raymundo foi convidado para participar do filme “Estrada da Vida”, de Nelson Pereira dos Santos, estrelado em 1980 pela dupla sertaneja Milionário e José Rico. No filme, Raymundo interpretou Malaquias, um empresário sem caráter que vivia passando a perna em duplas iniciantes.
Outro caso inusitado envolvendo o vilão de Luar do Sertão aconteceu em um circo armado na região. A radionovela, por vezes, se apresentava fora da emissora, assumindo um papel teatral, e nesta apresentação circense havia uma cena em que o vilão assassinava um homem em frente a sua esposa. Após a punhalada, rapidamente levantou-se da plateia uma senhorinha com um guarda-chuva na mão que correu para o picadeiro, decidida a dar uma surra no assassino. Salvo pelo segurança, Raymundo se livrou das guarda-chuvadas.
Luar do Sertão era transmitida em um momento político regido pelo militarismo. Este regime ficou conhecido no meio artístico também pela censura. Porém, a radionovela ultrapassou mais de três décadas no ar sem sofrer nenhuma restrição, muito pelo contrário, os militares eram fãs assíduos dos radiocontos.
Outra autoridade que se submeteu à audiência de Luar do Sertão foi o padre local. Na época, o horário das missas tivera que sofrer uma leve alteração. Devido aos fiéis estarem entretidos com a radionovela no fim da tarde, o padre aguardava o encerramento de cada episódio para dar início à missa. Certamente, também ficava com o radinho ao pé do ouvido.
Por conta dos radiocontos terem sido gravados repetidamente sobre o mesmo rolo de fita, infelizmente, não sobraram episódios originais da radionovela, exceto algumas gravações pessoais em fita K7 que alguns fãs fizeram questão de preservar. Hoje, algumas das histórias escritas de Luar do Sertão podem ser conferidas no MIS – Museu da Imagem e Som – de Santa Fé do Sul. Além de alguns scripts, os visitantes também podem apreciar LPs e equipamentos em uma reconstituição do estúdio da época, montado com todos os artefatos originais da Rádio Dinâmica FM, que passou a transmitir a radionovela Luar do Sertão na década de 1980. Cortinas e cadeiras que pertenciam ao auditório do estúdio foram reaproveitadas na sala de cinema do MIS, em uma remontagem que permite aos expectadores assistirem a filmes que marcaram época, inclusive “Estrada da Vida” de Nelson Pereira dos Santos.
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Texto e foto: Anderson Carvalho