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O dia em que o padre demoliu o altar

Nos anos 1950, o município de Tanabi chegou a ser chamado de Atenas do Oeste Paulista. O apelido foi dado por professores da capital, recém-chegados à região, que ficaram encantados com o grande número de intelectuais em atividade na cidade interiorana. Nos dias de hoje, com pouco mais de 20 mil habitantes, a “pequena borboleta” ainda conserva uma agenda cultural bastante movimentada, com direto a semana de arte, mostras, entre outros eventos. Tanabi também é lembrada também por possuir, no passado, um forte núcleo comunista, tendo sido citada em documentos redigidos pelo militante Carlos Marighella.

Ao longo de sua história, alguns forasteiros desavisados foram surpreendidos pelo ativismo da população local. Uma destas anedotas, talvez a mais surpreendente de todas, foi protagonizada por um padre que, na década de 1980, travou uma verdadeira batalha, ao propor a demolição do altar do Santuário de Nossa Senhora da Conceição, igreja tida como um patrimônio arquitetônico e histórico da cidade.

Não se sabe exatamente de onde o Padre Oscar Donizete tirou essa ideia. Alguns dizem que ele queria modernizar o templo, talvez influenciado pela onda da renovação carismática cristã iniciada nos anos 1970. Outros contam que o sacerdote em questão nunca foi “muito católico”: dizem que ele frequentemente ia a bailes e que tinha algumas namoradas espalhadas pela paróquia. O fato é que, em um belo dia, o Padre Oscar decidiu que o altar e suas imagens não deveriam mais fazer parte do ambiente sacro. Na época houve uma votação, na qual, ele buscou apoio entre os fiéis mais fervorosos e que tinham pouca, ou nenhuma, consciência de preservação histórica.

Aqueles que se opunham ao resultado se rebelaram. “No dia da votação, as pessoas ficaram na porta, em protesto. Só tinha direito de votar os que faziam parte das irmandades. Seguramos faixas, foi um bafafá.” – conta a Dona Zulmira de Mattos Miziara, professora, ex-secretária Municipal de Cultura e Educação e testemunha ocular da história, já que estava entre os manifestantes. “Em uma das faixas estava escrito ‘Queremos a Nossa Senhora!’, um apelo para que fosse mantida a imagem de Nossa Senhora da Conceição, que dá nome ao Santuário.” – relembra.

Apesar da revolta e da dor de cabeça, o Padre Oscar atingiu seu objetivo. Máquinas foram levadas para dentro da igreja e as portas trancadas para evitar invasores. Após muitas tentativas, o forte alicerce do altar foi derrubado. Com ele, foram destruídas as imagens, os suportes laterais entalhados em madeira e os pisos de ladrilho hidráulico, produzidos na própria cidade. Apenas a imagem de Nossa Senhora da Conceição foi mantida, atendendo ao apelo da faixa.

“Enquanto eles lavavam lá dentro, as peças foram sendo jogadas para o lado de fora. Eu consegui resgatar algumas coisas e depois restaurei” – revela Dona Zulmira, apontando o suporte com a figura de um anjo que ostenta na parede de sua sala. “Consegui salvar duas dessas peças. Fiquei com uma e a outra doei para uma capela”. Dona Zulmira lembra que durante a demolição foi encontrada, no interior do altar, uma garrafa contendo os nomes de todos que trabalharam na construção da igreja. Não se sabe que destino levou esta relíquia, mas o temor é que tenha terminado entre os destroços.

Após a limpeza, foi encomendada uma pintura para o presbitério e para a nave do Santuário, que permanece lá até hoje. “O artista contratado até fez um trabalho bonito, mas que não justifica a destruição do anterior” – comenta Jomir Maximiano, sociólogo, que durante o episódio estava estudando fora da cidade, mas lembra-se bem dos comentários. “Ele (o Padre Oscar) passou por uma fase de transição de uma igreja mais conservadora para uma mais moderna e acabou confundindo as coisas. Foi falta de sensibilidade pela preservação de uma história que nem era dele e, por isso mesmo, ele não tinha o direito de fazer o que fez”– lamenta.

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