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Taca le pau, Itapecerica!

“Taca le pau, Marcos!” Foi com este viral, filmado por um catarinense de nove anos, que vibrava ao narrar a corrida de seu primo ladeira abaixo num carrinho de rolimã, que muitas pessoas conheceram o brinquedo. Muitos adultos mergulham em afetivas lembranças, quando falam sobre a época em que a diversão era juntar os amigos e sentir a adrenalina de uma corrida. Mas na cidade de Itapecerica da Serra a brincadeira não ficou no passado. Todo ano acontece uma corrida oficial de carrinhos de rolimã. A criançada brinca um pouco, mas são os adultos que aproveitam a competição para revisitar um tempo em que a única preocupação era voltar para o início da ladeira no final da descida.

O marceneiro que fabrica carrinhos e troféus para a competição, o Senhor Álvaro José de Andrade, conta que no seu tempo a vida era muito humilde. “O calçado que eu tinha só podia ser usado para ir à missa, até para a escola ia descalço. Mas a infância era muito boa.” As brincadeiras eram com estilingue, pião, bolinha de gude, pipa e, o preferido, o carrinho de rolimã. A diversão não era só descer a ladeira, o processo de construção fazia parte da brincadeira. Um amigo ensinava para o outro e juntos procuravam as madeiras, os pregos, passavam em oficinas mecânicas buscando a peça mais cobiçada: o rolimã – rolamento utilizado para montar o brinquedo. Eram meses esperando juntar os rolimãs para construir o carrinho, mas não era por isso que alguém ficava sem brincar. Um emprestava para o outro, ou se apertavam para caber um passageiro. “A sensação de construir um carrinho e depois descer por uma ladeira, que muitas vezes era de terra, ao lado dos amigos era indescritível.”

Aos 70 anos, o marceneiro guarda na memória os detalhes de suas aventuras com o brinquedo. Quando criança, tinha um colega que fez um carrinho comprido, juntavam cinco ou seis e desciam compartilhando uma mistura de medo e alegria. “Chegava lá embaixo empacotava todo mundo. Virava, porque pegava muita velocidade e era estrada de terra. A gente se arrebentava, levantava e voltava para o morro de novo.” Hoje em dia ele faz carrinhos com dispositivos de segurança, mas naquela época não tinha freio, quem não conseguia se segurar com a borracha do chinelo tinha que contar com a sorte.

Dá para entender porque a cidade recebe tão bem o evento, ladeira é o que não falta em Itapecerica. Foi em uma delas que dois amigos começaram a competição. Sentados em um bar, entre uma cerveja e outra, avistaram alguns meninos brincando com um carrinho de rolimã e decidiram pedir emprestado o brinquedo e começaram a competir. Quem perdesse teria que pagar uma cerveja ou uma pinga para o outro. A partir daí convidaram mais pessoas para a brincadeira e começaram a fazer competições. “Na época eram umas 10 ou 15 pessoas, hoje são 40 corredores.”, lembra Sr. Álvaro.

Atualmente o marceneiro não se aventura mais nos carrinhos, porque os filhos tem medo que afete sua coluna. Mas ele se lembra da colega, Dona Almerinda de 60 anos, que apareceu um dia, assistiu e não pensou duas vezes, pediu um carrinho emprestado e entrou para a competição. “A primeira vez que ela participou ganhou em primeiro lugar. Uma senhora muito bacana, ela toma uma cachacinha e fica com uma coragem danada. Quando ela ganhou vibrou de um jeito, parecia uma criança.”

O som do rolimã no asfalto atraiu a atenção de Gilmar Ritzel, mais conhecido como Gaúcho. “A primeira corrida foi na frente da minha casa onde tem uma ladeira bacana. Itapecerica da Serra mudou a ideia de como o pessoal via o carrinho de rolimã, que não era só criança que podia participar, tanto que o nome do projeto é Jovões, jovens igual a mim assim um pouco mais jovens.” Ele conta também que não brincou tanto durante sua infância, mas com a competição vivenciou o que não teve a oportunidade viver no passado. “Aquela bagunça, batida nas guias, nego sendo machucado. Era sensacional.”

Agora, indo para sua décima segunda edição, é tudo bem organizado. O local da corrida é fechado e a competição é dividida em categorias. A premiação de velocidade tem duas classificações: homens e mulheres, e o troféu de melhor alegoria. O Gaúcho tentou participar na categoria de carrinho mais veloz, mas percebeu que o negócio dele era competir com alegorias. “Eu fui campeão como alegoria. O meu carrinho era do Rambo. Eu parava no meio do circuito, com uma metralhadora de plástico cheia de bombinha nas pontas, e dava tiro pra tudo que é lado. Quem estava lá deu muita risada.”

Cada ano as alegorias são mais criativas. “Teve um cara que desceu em uma banheira cheia de água, com chuveiro funcionando e tudo. Quando morreu aquela artista americana, a Amy Winehouse, um competidor se vestiu e ficou igualzinho, e no final chutou o carrinho e quebrou ele todo. Era doido. Essa última que foram dois caras, que fizeram o tanque de guerra e o Bin Laden, muito bacana.”

Com o carrinho de rolimã crianças e adultos estimulam a criatividade, aprendem o processo de criação, dividem o aprendizado, desenvolvem novas habilidades, vivenciam momentos de sociabilização e compartilham experiências importantes. Para o Senhor Álvaro, brincadeiras como esta acabam caindo no esquecimento e a família deve estimular as crianças a participar de atividades com mais integração. “Eu rodei um peão e minha netinha, que é muito inteligente, ficou surpresa. Falei, caramba, ela não imaginava como rodava. Porque o brinquedo dela é o computador. Joguinho no computador ou no celular o dia todo.” Ele comenta que é importante que as pessoas mantenham vivas estas brincadeiras. Mas se depender da cidade de Itapecerica da Serra o carrinho de rolimã fará parte da tradição de todos os moradores, e não se perderá no tempo.

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Texto e vídeo: Juci Fernandes | Ilustração: Daniela Franbez

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