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Visita de Marco Polo

A chegada do então jovem explorador Marco Polo a Mogi Guaçu, naquela tarde de abril, coincidira com a comemoração dos 138 anos de fundação da cidade. Desembarcou no Centro, próximo à Praça Rui Barbosa. Após o check-in num hotel situado por ali, saiu à pé para reconhecer os arredores. Este é o relato de sua caminhada:

O viajante quando chega a esta cidade – disse Polo – logo nota a tranquilidade que permeia cada rua, cada semáforo e cada passante em seu ritmo de serenidade dominical. A estátua do Padre José Armani, “propulsor da indústria guaçuana”, repousa na praça onde um homem lê, à sombra de uma frondosa árvore. Sentada na varanda, uma mulher de idade avançada e com rosto excessivamente maquiado contempla a vagarosidade do tempo. Lá longe, um pedestre caminha como se não precisasse chegar.

Sinto o cheiro do rio – disse Polo, caminhando em direção a uma das três pontes de estrutura metálica que transpõem a cidade. Crianças serelepes brincam numa área verde próximo à margem do rio. Um jovem casal passeia de bicicleta, ele pedalando e ela sentada no quadro, segurando um aparelho celular que toca funk. Logo passa outro ciclista, depois outro e depois outros tantos, nestas ruas tão convidativas para o uso da bicicleta. Ao aguardar diante da faixa, os automóveis param, deixando que o pedestre faça a travessia. Gesto de rara gentileza no trânsito – concluiu Polo.

Sobre a ponte ele observa a sombra da imponente estrutura metálica projetada naquele rio de correnteza mansa. Agachado na barranca, um pescador lança sua linha nas águas barrentas e caudalosas do rio Mogi Guaçu. O calor é intenso. Polo atravessa a ponte e segue novamente em direção à Praça, através da outra margem do rio. Caminha por ruas quase desertas, onde há mais silêncio que pessoas. Uma motocicleta passa longe, cortando o ermo ao meio. A tarde cai aos poucos.

Já na praça, os pombos levantam voo agitando as folhas secas sobre a calçada. Casais passeiam de mãos dadas. Duas adolescentes levam sua beleza juvenil para passear. Um pai carrega seu filho nos ombros. O dia vai lentamente cedendo lugar à noite, que traz maior movimento à praça. É possível ouvir a variedade de sotaques dos passantes de pele ora clara, ora morena: o caipira da roça; o “r” retroflexo do interior paulista; o sotaque mineiro e o nordestino de várias regiões, compondo uma rica sonoridade urbana. Introspectiva naquele banco, uma adolescente se isola do som ao redor, com a cabeça abraçada por enormes fones de ouvido. No banco ao lado dela, um casal se diverte tirando selfies.

O estrangeiro, quando passa por esta cidade – conclui Polo –, deve se entregar ao encontro dessa tranquilidade que tem seu próprio tempo. Em outras cidades há sossegos como este e também há rios e casais e silêncios como estes. Mas a peculiaridade de Mogi Guaçu é a rara convergência dessas características, escondidas no universo recôndito do feriado, formando um raro alinhamento nas órbitas das pessoas, tornando-as mais felizes.

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Esse texto foi inspirado no romance “As cidades invisíveis” de Italo Calvino (1923-1985). O livro do escritor italiano narra as viagens diplomáticas do explorador Marco Polo (1254-1324), quando a serviço do imperador Kublai Khan (1215-1294), conquistador da China e neto do famoso Gengis Khan. O Polo (re) inventado por Calvino relata as cidades por onde passou através de descrições riquíssimas em detalhes, que evidenciam as singularidades do caráter humano na construção das identidades urbanas.

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Texto e foto: Fernando Bisan

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